terça-feira, 21 de junho de 2011

Dois dias

Dois dias
                                                                                                              Valdomiro Maria
            - Não quero mais trabalhar aqui.
            - Mas por que não? Há algo de errado com a empresa?
            - Errado? Não, com a empresa, não!
            - Então você não está contente com seu cargo?
            - Cargo? Não.
            - A empresa, a qual você trabalha a mais de quinze anos não te agrada mais?
            - Agrada? Não.
            - Pois então, por que não quer mais trabalhar conosco?
            - Conosco? Não!
            - Você só repete o que eu digo!
            - Repete? Não!
            - Não entendo você. Fale, abra-se, conte o que está havendo com você... Por que essa decisão? Estamos conversando a mais de cinco minutos e você não disse coisa com coisa. Está estressado? Cansado? Confuso? Triste? O quê?
            - Tudo isso? Não!
            - Que droga! Fale de uma vez, Paulo!
            - Tudo bem... É... Eu... Eu... Vou... Falar... É... Falar!
            Depois de tanto repetir o que o patrão perguntava, Paulo disse que queria a demissão porque não suportava mais trabalhar na empresa. Explicou ao patrão, um homem até gentil e atencioso, e que odiava repetir uma ordem, o que tanto lhe afligia:
            - Estou sem forças para continuar, sinto-me oprimido, desestimulado, fraco, sem motivação alguma para essa empresa.
            Todos os dias chego aqui desanimado porque todos os dias faço a mesma coisa, meu salário não muda nunca. Trabalho, trabalho e trabalho... E a única coisa que aumenta são as ordens: faça aquilo, quando terminar isso, faça aquilo outro. Pode ficar até mais tarde hoje e amanhã, trabalhar no sábado e vim no domingo até meio dia, pode? Preciso disso pra ontem, daquilo pra anteontem! Ainda não terminou? Paulo, venha aqui, vá à empresa tal, passe nesse endereço, pegue a encomenda, não demore, pois há muito trabalho atrasado que deve ser entregue o quando antes!
            Não, não e não, não quero mais isso, estou farto de ter que fazer tudo, realizar trabalhos que não são meus, de resolver problemas que não arranjei, chega! Minha esposa não me vê mais e nem eu a ela. Chego à noite por causa das horas extras e ela já está dormindo. Saio de manhã, ou melhor, noite ainda e ela ainda dorme. Meu filho está crescendo e eu não estou vendo. Basta! Isso tem que parar! Estou me transformando num robô!
            O patrão ouviu atentamente e propôs que Paulo tirasse umas férias, no fim do ano, pois havia uma entrega muito importante e a empresa precisava dele.
            - Você... Você... Só pode estar brincando...
            E riu-se... Riu, riu e riu descontrolavelmente.
            - Acho melhor você ir pra casa hoje mais cedo e repensar. Descanse um pouco, amanha conversaremos melhor, você parece não estar muito bem, Paulo. Vá, o Antônio cobre você.
            Paulo não conseguia parar de rir. Seu patrão não sabia o que fazer, as risadas já eram ouvidas praticamente por todos da empresa. Ate que o patrão decidiu pedir ajuda, ligou para a ambulância, porque Paulo parecia ter enlouquecido.
            A equipe médica chegou e Paulo ainda ria, estava roxo de tanto rir. Colocaram uma camisa de foca nele e ele nem resistiu e continuava a rir desesperadamente. Aplicaram-lhe uma injeção tranqüilizante e depois de alguns minutos ele apagou. Levaram-no para o hospital, na sala de psiquiatria. Paulo dormiu.
            Acordou dois dias depois, olhou para os lados, não reconhecia nada. Olhou para o relógio. Estava atrasado para o trabalho...

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